Fernando Namora

Fernando Namora merece um cantinho especial no meu blogue

De seu nome completo Fernando Gonçalves Namora, nasceu em Condeixa-a-Nova em 1919 (15 de Abril) e veio  a falecer  em Lisboa, no ano de 1989 (31 de Janeiro). Foi médico de profissão, mas desde cedo a sua ligação ao grupo da Presença, e na ligação às tertúlias de Coimbra, o levariam pelos caminhos da literatura. Editou o seu primeiro livro de poesia "Relevos" em 1937 onde granjearia o epíteto de neo-realista, ele e a geração de 40, demarcada do pacisfismo e da verborreia instalados. Foi entre o realismo que deu a conhecer e o existencialismo que toda a sua obra se desenvolveu. Fogo na Noite Escura, Minas de S. Francisco, A Noite e a Madrugada, O Trigo e o Joio e Retalhos da Vida de um Médico, esta sem dúvida a obra mais conhecida. Posteriormente editará ainda a ficção contemporânea onde se inserem os romances O Rio Triste, Resposta a Matilde e as reflexões de Jornal sem Data. Existe em Condeixa um museu onde se podem encontrar objetos e documentos pessoais, bem como quadros e livros seus:

«Por Todos os Caminhos do Mundo
A minha poesia é assim como uma vida que vagueia 
pelo mundo, 

por todos os caminhos do mundo, 
desencontrados como os ponteiros de um relógio velho, 
que ora tem um mar de espuma, calmo, como o luar 
num jardim nocturno,

ora um deserto que o simum veio modificar,
ora a miragem de se estar perto do oásis,
ora os pés cansados, sem forças para além.

Que ninguém me peça esse andar certo de quem sabe
o rumo e a hora de o atingir,
a tranquilidade de quem tem na mão o profetizado
de que a tempestade não lhe abalará o palácio,
a doçura de quem nada tem a regatear,
o clamor dos que nasceram com o sangue a crepitar.

Na minha vida nem sempre a bússola se atrai ao mesmo
norte.
Que ninguém me peça nada. Nada.
Deixai-me com o meu dia que nem sempre é dia,
com a minha noite que nem sempre é noite
como a alma quer.

Não sei caminhos de cor. » in Mar de Sargaços



«Mas depois de uma noite em que se reavivaram as horas felizes do passado, o Dr. Alceu teve as mesmas frases polidas, geladas...  E mandou-a embora.
         
Ela não podia aparecer assim em Coimbra!  Não podia.  E foi o seu começo de deambular de terra em terra, por casas de má nota, oferecida ao acaso: alguém desesperado à beira do abismo, que sente a irresistível, a dolorosa atracção»
 Graça in A Casa da Malta

Fernando Gonçalves Namora
Balada de SempreEspero a tua vinda 
a tua vinda, 
em dia de lua cheia. 

Debruço-me sobre a noite 
a ver a lua a crescer, a crescer... 

Espero o momento da chegada 
com os cansaços e os ardores de todas as chegadas... 

Rasgarás nuvens de ruas densas, 
Alagarás vielas de bêbados transformadores. 
Saltarás ribeiros, mares, relevos... 
- A tua alma não morre 
aos medos e às sombras!- 

Mas..., 
Enquanto deixo a janela aberta 
para entrares, 
o mar, 
aí além, 
sempre duvidoso, 
desenha interrogações na areia molhada... 
in Relevos


Cansado de Certos Momentos


Foi-se tudo
como areia fina escoada pelos dedos.
Mãe! aqui me tens,
metade de mim,
sem saber que metade me pertence.
Aqui me tens,
de gestos saqueados,
onde resta a saudade de ti
e do teu mundo de medos.
Meus braços, vê-os, estão gastos
de pedir luz
e de roubar distâncias.
Meus braços
cruzados
em cruz de calvário dos meus degredos.
Ai que isto de correr pela vida,
dissipando a riqueza que me deste,
de levar em cada beijo
a pureza que pariste e embalaste,
ai, mãe, só um louco ou um Messias
estendendo a face de justo

para os homens cuspirem o fel das veias,
só um louco, ou um poeta ou um Cristo
poderá beijar as rosas que os espinhos sangram
e, embora rasgado, beber o perfume
e continuar cantando.
Mãe! tu nunca previste
as geadas e os bichos
roendo os campos adubados
e o vizinho largando a fúria dos rebanhos
pela flor menina dos meus prados.
E assim, geraste-me despido
como as ervas,
e não olhaste os pegos nem as cobras,
verdes, viscosas, espreitando dos nichos.
De mão nua, entregaste-me ao destino.
Os anjos ficaram lá em cima, cobardes, ansiosos.
E sem elmos ou gibões,
nem lutei nem vivi:
fiquei quieto, absorto, em lágrimas
— e lá ao fundo esperavam-me valados
e chacais rancorosos.

Mãe! aqui me tens,
restos de mim.
Guarda-me contigo agora,
que és tu a minha justiça e o exílio
do perdido e do achado.
Guarda-me contigo agora
e adormece-me as feridas
com as guitarras do fado.

Mas caberá no teu regaço
o fantasma do perdido?
 in Mar de Sargaços
»...O seu filho havia de ser da serra, da terra.  Ali só havia mar e areia esboroada, nada que firmasse os pés.  Seus pais e avós tinham nascido na terra, do arado, do suor nos campos de milho...» Carminda in A Casa da Malta

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